Em 1706, o padre Carvalho da Costa escrevia a propósito da Serra do Gerês que aí havia "cabras-bravas com ferozes cabrões", não pretendendo aparentemente ofender ninguém mas apenas fazer uma descrição apropriada dos imponentes machos desta espécie. Esta fama de ferozes deve estar relacionada com o facto de que apenas o macho dominante de cada grupo de cabra-montês (Capra pyrenaica) se reproduz. Isto significa que, todos os anos, os machos rivais utilizam toda a sua habilidade diplomática sob a forma de intermináveis trocas de cornadas, para determinar qual deles é o dominante. Felizmente que as dores de cabeça não servem de desculpa para evitar terem sexo, caso contrário, a espécie não teria ido longe.
Apesar de não estar ameaçada a nível global, a cabra-montês extinguiu-se em Portugal nos finais do século XIX provavelmente devido à caça excessiva. Segundo os relatos da época, um grupo de guardas florestais do Gerês capturou uma das últimas fêmeas a 20 de setembro de 1890, que ficou atolada num terreno lavrado depois de uma forte chuvada. Este animal morreu uns dias depois no Jardim Zoológico de Lisboa, tendo ainda sido avistadas cabras na serra do Gerês nos dois anos seguintes. Em 1908, foi organizada uma grande caçada de três dias para apurar se a cabra-montês ainda existia na serra e, como os caçadores não mataram nenhuma, concluiu-se que estava extinta. Isto é o equivalente a fazer uma autópsia antes de ter a certeza que o paciente está morto - se por acaso ainda estiver vivo, provavelmente morre da autópsia.
A história do regresso recente da cabra-montês a Portugal demonstra bem como a visão estratégica e espírito de iniciativa dos portugueses pode dar frutos. No âmbito de um programa de reintrodução espanhol, foram translocados em 1997 dezoito exemplares de cabra-montês para cercados de aclimatação localizados no Parque Natural da Serra do Xurés (Galiza, Espanha), junto ao Parque Nacional da Serra do Gerês. No final de 1998, alguns destes animais escaparam acidentalmente dos cercados e passou a haver cabras-montesas transfronteiriças. Depois, os galegos resolveram oficializar a operação libertando mais 25 indivíduos no início do novo milénio, reforçando assim esta nova população de cabras. Portanto, foi graças à visão estratégica em achar que os espanhóis iam fazer alguma coisa e ao espírito de iniciativa em ficar de braços cruzados pacientemente à espera que voltámos a ter esta espécie emblemática no nosso país.
O lobo agradece a oportunidade de novas refeições, apesar das cabras lhe dificultarem a vida por andarem frequentemente em zonas rochosas íngremes que dariam vertigens até ao alpinista João Garcia. Quem tem andado um pouco desaparecida por estas bandas é a águia-real, que só esporadicamente aparece no Parque. Esta ave de rapina tem o hábito de levar as cabras mais distraídas a voarem pela montanha, largando-as a meio do percurso e proporcionando-lhes assim uma experiência radical cheia de adrenalina (queda livre, sem paraquedas). Não é um espetáculo recomendável a crianças que achem a cabra um animal fofinho, mas parece ser uma estratégia de caça eficaz.
Mesmo com predadores, a cabra-montês tem prosperado na região graças ao relevo bastante favorável e boas condições de alimento, estimando-se que o lado português albergue atualmente cerca de 450 animais. Portanto, se visitar o Gerês um dia destes, não se esqueça de as procurar nas escarpas da serra e de as felicitar pelo seu regresso. Se houver machos com grandes cornos por perto, o melhor é fazê-lo dentro do carro...
Fonte:
http://visao.sapo.pt/a-cabra-montes=f658199Cumprimentos
(de Bruno Pinto, em Animais da Minha Terra - Visão Verde Online)
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